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HIV não parou minha vida: ‘Casei, sou mãe, escrevi um livro, sou bem sucedida’

Thais Renovatto, 38 anos, é escritora, embaixadora de um projeto social, co-criadora da Websérie o Som das Décadas, dá palestras e trabalha na área de marketing em uma das maiores multinacionais do mundo. Ela também é mãe de João, 4 anos, e de Olívia, 3 anos de idade, ambas crianças frutos do seu casamento com o Rodrigo, o seu atual marido. A Thais é HIV+ há 7 anos e a sua família não tem o vírus.

Ser HIV positivo não significa o fim da vida. Infelizmente, a falta de informação e divulgação sobre o tema contribuem para o  preconceito e os estigmas deste vírus. A Thais é indetectável, pois ao fazer o tratamento de maneira correta, a carga viral fica tão baixa no sangue que passa a ser, como o nome diz, indetectável. Com isso, ela não transmite o vírus – seja para o seu parceiro em relações sexuais ou ao gerar os seus filhos durante a gravidez, e passa a ter uma vida completamente saudável, sem desenvolver doenças relacionadas ao HIV ou chegar ao estágio da Aids.

Veja também: HIV: sintomas, prevenção e onde fazer o teste

Leia abaixo a entrevista com a Thais.

“Acredito que a geração dos meus filhos irá crescer numa sociedade menos preconceituosa e melhor informada em relação ao HIV” <strong>Thais Renovatto</strong>

A mãe do meu ex-namorado me contou que ele tinha Aids pouco antes dele morrer

No ano de 2014 eu estava namorando com uma pessoa há mais de 1 ano quando ele teve uma pneumonia muito forte e ficou internado por quase um mês. Quando ele foi entubado e estava muito mal, a mãe dele me disse que, na verdade, ele tinha AIDS. Quando fiz o meu teste de HIV, obviamente, o resultado foi positivo, já que me relacionei com ele já num estágio já avançado da doença e não usamos preservativo na maior parte das nossas relações sexuais. Depois que tive esta notícia, eu fui no hospital visitá-lo  e disse no ouvido dele: “Meu exame deu positivo, não vamos conversar nessa vida. Eu te perdoo, vai em paz, faz a sua passagem”. No dia seguinte, ele morreu.

“Comportamento de risco se resume a sexo desprotegido”

Algumas pessoas acham que estão livres do HIV ou da Aids simplesmente por serem heterossexuais ou casadas, mas isso é uma grande bobagem. Existem mulheres, por exemplo, que engravidam dos seus maridos, fazem Pré-natal, o médico pede o exame de HIV e dá negativo. Aí os bebês nascem, essas mães estão tranquilas achando que estão num relacionamento fechado, mas aí são traídas pelos companheiros que não usam preservativo, pegam HIV na fase da amamentação e acabam passando o vírus para os filhos sem nem mesmo saberem disso. Por isso, eu acho que não existe um grupo de risco, o que existe é comportamento de risco, que se resume a sexo desprotegido, independente da quantidade de parceiros, ou da orientação sexual da pessoa.

Indetectável é igual a intransmissível

Eu sou HIV positiva, mas como faço o meu tratamento corretamente, estou indetectável. Isso significa ter uma quantidade tão baixa de vírus por ml de sangue, que nessa condição nos tornamos também intransmissíveis. Sendo assim, indetectável é igual a intransmissível. Eu sigo indetectável há 7 anos e há 6 anos sou casada com o meu atual marido, o Rodrigo, que é HIV negativo. Juntos, nós tivemos dois filhos, o João, que hoje tem 4 anos, e a Olivia, com 3 anos. Assim como o meu marido, eles também não tem HIV.

Recentes estudos científicos sobre transmissão do vírus foram feitos com milhares de casais onde um vive com HIV indetectável e o outro é HIV negativo. Nos estudos não houve um único caso de transmissão e, infelizmente, não temos a grande mídia divulgando este tipo de informação. No caso do meu atual marido e eu, após conversarmos com os nossos médicos, entendemos que indetectável é o mesmo que intransmissível, então estamos juntos há 6 anos num relacionamento fechado, no qual não fazemos uso de preservativos durante as nossas relações.

Thais com o seu marido Rodrigo, a filha Olivia e o filho João durante o lançamento do livro <strong>5 Anos Comigo</strong>

Escrevi um livro contando parte da minha história: “5 Anos Comigo”

Antes do meu ex-namorado falecer de Aids, eu já tinha um blog no qual escrevia alguns textos, mas depois da sua morte e do meu diagnóstico positivo, acredito que pesquisar e escrever sobre a minha experiência foi uma forma de me curar mentalmente. Durante esse processo, eu já tinha entendido que fazer o tratamento de maneira correta iria me propiciar uma vida saudável, me relacionar novamente com outro homem, trabalhar e ser mãe. Foi aí que resolvi colocar estas experiências e textos num livro chamado “5 Anos Comigo”, lançado em 2018.

Carreira profissional

Quando engravidei e estava prestes a publicar o meu livro, chamei o diretor de RH da empresa em que trabalhava e disse “Eu sei dos meus direitos, a lei diz que não preciso abrir a minha sorologia, mas como estou saindo de licença maternidade e vou publicar um livro, prefiro que vocês saibam da minha história antes do meu retorno”. Eles agradeceram pela minha postura e me apoiaram integralmente, com todo o apoio e respeito necessário que todo funcionário merece. Atualmente, eu faço palestras em muitas empresas que estão preocupadas em trazer o tema do HIV pra dentro da realidade dos seus colaboradores, promovendo informação e inclusão com responsabilidade social.

Projeto Criança Aids

Atualmente, também sou embaixadora do Projeto Criança Aids, uma organização sem fins lucrativos que atua desde 1991 no auxílio das crianças e seus familiares que vivem em situação de vulnerabilidade. Nós temos capacidade de atender até 50 famílias com crianças de 0 a 12 anos. Resumidamente, estamos sempre buscando doações, apadrinhamento de crianças em datas comemorativas, ou parceiros que possam ajudar com cursos profissionalizantes. Nós também oferecemos apoio psicológico, o incentivo ao tratamento de maneira correta e uma cesta mensal com produtos de higiene pessoal, limpeza e alimentos.

“É claro que eu acho importante falar sobre o prevenir, mas também seria necessário falar sobre como viver de maneira saudável sendo HIV positivo” <strong>Thais Renovatto</strong>

Não podemos falar sobre HIV somente no 1º de Dezembro ou no Carnaval

Infelizmente a mídia de massa só fala sobre Aids ou HIV no 1º de Dezembro, que é o Dia Mundial de Combate à Aids, ou quando estamos próximos do período do Carnaval. Além disso, as campanhas e temas são quase sempre focados em prevenção, mas esquecemos de falar a apoiar quem já tem o vírus. É claro que eu acho importante falar sobre o prevenir, mas também seria necessário falar sobre como viver de maneira saudável sendo HIV positivo. Isso daria esperança, incentivaria a adesão ao tratamento, e também ajudaria a diminuir o stigma e o preconceito que giram em torno deste tema. A ciência e a medicina evoluíram muito em relação ao HIV, mas infelizmente ainda falamos pouco sobre isso.

A geração dos meus filhos vai ser menos preconceituosa

Acredito que a geração dos meus filhos irá crescer numa sociedade menos preconceituosa e melhor informada em relação ao HIV. Eu sou uma eternal otimista e, pelo menos aqui na minha casa, estamos criando crianças que sejam bem informadas e livres de preconceitos. Caso elas sejam questionadas sobre o assunto na escola, elas já estão preparadas para darem uma aula sobre a sua mãe com muito orgulho e não com vergonha. Elas já entendem que os pais delas tiverem coragem de enfrentar uma sociedade preconceituosa e com poucas informações sobre o assunto. Nós estamos aqui mostrando que somos uma família saudável, empoderada e feliz.

Catraca Livre informa – Conheça leis e direitos que protegem pessoas vivendo com HIV e Aids

“No Brasil, a Lei Federal nº 12.984/2014, define como crimes com pena de reclusão e multa:
– recusar ou segregar pessoas vivendo com HIV ou Aids por parte de creches e instituições de ensino de qualquer grau, sejam públicas ou privadas;
– negar emprego ou trabalho em razão da sorologia,
– exonerar ou demitir por esta razão,
– segregar no ambiente escolar ou de trabalho,
– divulgar a condição sorológica com intuito de ofender a honra da pessoa,
– recusar ou retardar atendimento de saúde.

No âmbito trabalhista, pessoas vivendo com HIV ou Aids podem sacar integralmente o valor do FGTS. Para tanto, a pessoa precisa solicitar um laudo médico devidamente assinado, e comparecer à Caixa Econômica Federal, ou fazer o pedido via aplicativo do FGTS. O valor  presente na conta será disponibilizado dentro de 05 (cinco) dias úteis. Para admissão e demissão no emprego, é vedado o exame obrigatório de HIV, nos termos do artigo 2º da Portaria nº 1246/2010 da Secretaria do Trabalho. No caso de incapacidade temporária para o trabalho, a pessoa segurada do INSS tem direito ao auxílio-doença. E em caso de incapacidade permanente, elas também têm direito de solicitarem aposentadoria por invalidez, sendo necessário se submeter a perícia.

Pessoas vivendo com HIV ou Aids têm direito a isenção do imposto de renda, conforme o artigo 6º da Lei nº 7.713/1988, e também à gratuidade de tratamento e medicação, conforme prevê a Lei Federal nº 9.313/1996.”

Fonte: Felipe Daier, advogado em Direito Antidiscriminatório e coordenador do Núcleo de Acolhimento da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.

Produção em parceria com Felippe Canale. Conheça mais do trabalho do jornalista no Twitter e Instagram.

Veja também: “Gabriel descobriu que tem HIV e resolveu contar pra todo mundo”

Veja também: O que você precisa saber sobre o vírus do HIV

 

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