A Justiça Militar da União (JMU) condenou oito militares do Exército pelos homicídios do músico Evaldo Rosa e do catador Luciano Macedo, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, dois anos e meio após o crime que aconteceu em 7 de abril de 2019.
A condenação de oito dos 12 militares envolvidos foi aceita após pedido do Ministério Público Militar (MPM). O julgamento durou mais de 15 horas, tendo começado às 9h de quarta-feira, 13 e terminado por volta da meia-noite, desta quinta e foi marcado por um clima tenso. A viúva de Evaldo, Luciana dos Santos Nogueira, chegou a passar mal durante a audiência.
O crime ficou conhecido como caso dos “80 tiros“, em referência ao número de balas que atingiu o carro em que estava Evaldo e a família dele.
Edvaldo foi morto à caminho de um chá de bebê com a família quando teve o carro atingido por mais de 80 tiros na Estrada do Camboatá, em Guadalupe. O grupamento militar teria, supostamente, confundido o carro do artista com o de criminosos. O laudo da perícia aponta que teriam sido disparados 257 tiros pelos militares.
Além de Evaldo e do sogro Sérgio Gonçalves de Araújo, que foi atingido por uma bala, mas sobreviveu, também estavam no veículo o filho de 7 anos do músico, a esposa dele e uma amiga da família – que não foram atingidos pelos disparos.
Evaldo morreu na hora, mas seus parentes conseguiram escapar. Luciano, que estava nas proximidades e tentou ajudar a família, acabou sendo também baleado e morreu dias depois.
“Vou poder honrar a imagem do meu esposo. Chegar em casa dar a notícia para o meu filho é satisfatório. Meu medo era de não acontecer uma justiça digna, mas a justiça está sendo feita. Precisava disso”, disse Luciana.
O chefe da operação, o tentente Ítalo da Silva Nunes, recebeu a maior pena e foi condenado a 31 anos e seis meses por duplo homicídio e tentativa de homicídio, já que havia outras pessoas dentro do veículo. Nunes foi responsável pela maior parte dos 82 tiros que atingiram o carro de Evaldo. De acordo com laudo pericial, 652 partículas de pólvora foram encontradas em sua mão. Ele também foi o primeiro a atirar.
Outros sete militares receberam pena de 28 anos pelos mesmos crimes. São eles: o sargento Fábio Henrique Souza Braz; o cabo Leonardo Oliveira; o soldado Gabriel Christian Honorato; o soldado Matheus Sant’Ana; o soldado Marlon Conceição; o soldado João Lucas Costa Gonçalo; e o soldado Gabriel da Silva de Barros.
Outros quatro militares julgados foram absolvidos porque, segundo as investigações, não efetuaram nenhum disparo contra o carro de Evaldo. São eles: Vitor Borges Barros; William Patrick Nascimento, motorista da viatura; Paulo Henrique Araújo, responsável pela segurança da retaguarda; e Leonardo Delfino Costa, rádio operador.
Luciana não se demonstrou insatisfeita com a absolvição dos militares que não atiraram. “Acho que não é justo os que não fizeram pagarem pelo erro dos outros”, comentou.
Os acusados continuam em liberdade até a decisão final do Superior Tribunal Militar (STM).
O que alegou a defesa durante o julgamento
A defesa dos militares alegou durante o julgamento que os réus também foram atacados na ação que assassinou Evaldo e o catador Luciano e trouxe diversos pontos desconexos na tentativa de livrar os 12 militares da responsabilidade pelas mortes.
O advogado Paulo Henrique Pinto Melo, quis justificar que os 12 militares estavam sobre forte tensão da violência, em Guadalupe.
“Os militares não são algozes, eles são seres humanos, como todos os seres humanos. Saindo do quartel, eles vivem dia a dia a violência urbana por todos enfrentada”, alegou o advogado. “Ao condenar esses militares, os senhores vão estar chancelando a condenação da própria Força e nós não estamos aqui simplesmente a buscar uma simples absolvição. Estamos aqui porque vamos demonstrar que esses militares agiram no limite da legalidade”, afirmou o advogado de defesa.
O advogado também alegou que os militares haviam livrado dois moradores de uma tentativa de assalto e não teriam disparado contra o músico intencionalmente (267 tiros foram disparados, 82 atingiram o carro de Evaldo).
“Será que militares que agiram dessa maneira, eles foram capazes de, com ânimo, vontade, livrar o Marcelo e mais duas mulheres num ponto de ônibus da violência daquele local, teriam decidido por uma execução sumária? Esses homens abandonaram seu treinamento e partiram para uma agressão dessas maneira? Isso é inconcebível da maneira que foi colocado”, afirmou o advogado.
A defesa ainda sugeriu que o carro usado por Evaldo poderia ter sido confundido pelos traficantes locais com um veículo de policiais militares à paisana.
O advogado da defesa também levantou a possibilidade de ‘criminosos de contenção’ da comunidade poderiam ser os autores dos disparos, mesmo sem provas disso.
“O Ministério Público não trouxe nenhuma prova de que o tiro que mata ou pega no carro, tem origem dos militares”, pontuou o advogado de defesa dos militares.
Segundo a defesa dos réus, o músico passou “por todas as barreiras dos traficantes em dia de guerra na favela” e opinou que, “infelizmente, ele [Evaldo] se coloca em risco juntamente com todos os que estão consigo nessa situação”.
O que alegou a promotoria
O promotor do Ministério Público (MPRJ), Luciano Moreira Gorrilhas, criticou a estratégia do advogado Paulo Henrique Pinto Melo.
“Ele não enfrenta, em momento nenhum esse fato principal, ele cria um espantalho ataca e demoniza. Totalmente falacioso. A defesa limitou-se a trazer testemunhas que não presenciaram nada. Aquelas sem relevância jurídica, do tipo: ‘ouviu dizer’. A defesa procura desacreditar o acusador. Não enfrenta o fato principal, os 62 tiros deflagrados contra o carro”, frisou o promotor.
Segundo Gorrilhas, o advogado de defesa deu a entender que a denúncia do MPM colocou a culpa pela ação dos 8 militares condenados em todo o Exército.
“Quem aqui imputou ao Exército algum fato criminoso? Ninguém. Ela usa o apelo para emocionalmente embaraçar a mente dos senhores juízes militares. Os senhores estão condenando 8 acusados que violaram o código penal”, disse o promotor, que conclui: “A defesa não ataca o fato principal e coloca o Exército no banco dos réus”.
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