A boa notícia para o setor do turismo é que, depois do duro golpe sofrido com a covid-19, o mercado já dá claros sinais de recuperação. A má notícia é que essa recuperação é setorizada: as viagens de lazer estão voltando com toda a força, mas o turismo de negócios amarga com retorno lento.
Embora a pandemia tenha causado uma crise sem precedentes no turismo de lazer, o que ela deixou no turismo corporativo é uma devastação mundial, com queda de quase 90% das viagens deste tipo.
Em efeito de comparação, segundo a consultoria PwC, a queda de viagens corporativas para grandes eventos em 2008, durante a grande depressão econômica, foi de 8%; em 2001, depois do atentado do 11/9, em Nova York, foi de 11%.
No Brasil, em julho, segundo levantamento da Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas (Abracorp) obtido pelo Estadão/Broadcast, o setor faturou 256% mais que no ano passado, mas o desempenho ainda foi 64% menor que o registrado em 2019, pré-covid.
Para o especialista Thomas Allier, CEO e fundador do buscador de voos Viajala.com.br, a covid causou uma revolução na forma de fazer turismo que impactou muito mais o setor de negócios. O buscador lançou o Barômetro, seu estudo anual que analisa as tendências do turismo no Brasil e na América Latina.
“O turismo de lazer ficou pausado durante esse tempo, mas está sendo retomado porque a motivação, descansar, conhecer, se aventurar, ainda existe”, explica. “Enquanto isso, a motivação do turismo corporativo foi aplacada pelo meio online e o presencial deixou de ser uma necessidade.”
Segundo uma pesquisa da rede americana Bloomberg com 45 grandes empresas dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia, divulgada em agosto, 84% informaram que pretendem gastar menos com viagens no pós-pandemia.
“A alta produtividade do home office vai mudar a forma como os donos das empresas avaliam a necessidade de viagem dos seus executivos”, aponta Allier. “Diminuí-las é uma forma de economizar e de posicionar a empresa em relação à crise climática, a favor do meio ambiente, cortando possíveis emissões de carbono.”
O novo “business lifestyle”
Até 2019, as viagens corporativas tradicionais seguiam um roteiro bastante engessado: passagens compradas de última hora, com margem de lucro altas para a companhia aérea (podendo custar cinco, dez vezes mais que quando compradas com antecedência) e viagens curtas, de poucos dias ou até de bate-volta, no mesmo dia. Era um tipo de turismo que costumava durar o tempo das reuniões marcadas no destino.
O turismo de negócios não morreu. Longe disso. Mas está em transformação. A pandemia aliada ao boom das startups e ao estilo de vida dos nômades digitais, pessoas que trabalham com internet e podem morar em qualquer lugar, são alguns dos responsáveis por isso.
Só que o novo viajante de negócios tem, no geral, outras aspirações: os nômades digitais e executivos de startups organizam as viagens com mais calma, com base no custo-benefício, e preferem passar temporadas longas no destino ou para sentir-se parte do local, ou para fazer um networking aprofundado e prospectar possibilidades de negócio a longo prazo.
De um lado, é uma baixa para as empresas tradicionais. De outro, é uma oportunidade para formatos como hostels, casas de temporada e espaços de “co-living”. Na plataforma de aluguel Airbnb, hoje 20% das reservas são para estadias longas, de mais de 30 dias.
“É como se mudássemos o termo de ‘Business travel’ para ‘Business Lifestyle’, em que há uma combinação maior de negócios com lazer, com experiência”, aponta Thomas Allier. Um dos maiores desafios do setor é que, por mais que este novo ‘business lifestyle’ seja uma forte tendência para os próximos meses, ele não é tão vantajoso para as empresas de turismo e companhias aéreas.
Ainda segundo a PwC, em tempos normais, os viajantes de negócios representam 12% dos passageiros transportados, mas correspondem a mais da metade das receitas, chegando a 75% para algumas empresas. Aqui no Brasil, segundo dados do Ministério do Turismo, os negócios foram o segundo principal motivo da vinda de estrangeiros ao país em 2018.
A receita gerada no ano seguinte, 2019, por visitantes estrangeiros com este propósito foi 33% mais alta que a gerada pelos visitantes que vieram a lazer. “Isso acontece porque o turismo corporativo é mais estável, sem grandes quedas na baixa temporada, e opera com margens de lucro mais altas”, explica Allier.
Além da compra de passagens aéreas mais caras, ainda há gastos relacionados a esse tipo de viagem, como classe executiva nos voos internacionais, cartão de crédito da companhia aérea para acumular milhas e salas VIP em aeroportos.
O futuro do setor Para o especialista, é possível que o turismo corporativo clássico não volte aos patamares de 2019, mas ainda há muito espaço para recuperação. “Uma das principais perdas foi a queda brusca de viagens internacionais, já que os Estados Unidos são os principais destinos de viagens de executivos”, aponta.
Segundo ele, a recente liberação da entrada de estrangeiros vacinados aos Estados Unidos é um primeiro passo. Outra possibilidade é que o setor fomente a realização de eventos corporativos no formato híbrido, com participação online e presencial. Esse tipo de turismo sofreu um baque ainda maior, já que grandes feiras, congressos e conferências foram cancelados em massa.
Embora os eventos online tenham suas vantagens, por serem mais acessíveis e plurais, o contato próximo com outros profissionais sempre foi considerado um grande diferencial. “O turismo de eventos corporativos deve demorar mais a se recuperar, porque prevê ambientes fechados e aglomerações, mas, em contrapartida, tem mais chances de fazê-lo, porque oferece mais opções de networking presencialmente”, conclui o executivo do Viajala.
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