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Os efeitos do overturismo no paraíso baiano de Caraíva

Filas em restaurantes, praias lotadas, trânsito caótico. Falta de água e energia, preços exorbitantes, lixo em excesso. Estes são apenas alguns dos problemas do overturismo nos destinos que entraram no radar dos turistas, como Caraíva, Boipeba, Ilha Grande, Bombinhas e Jericoacoara neste verão.

Alguns destes desafios passam despercebidos pelos viajantes menos conscientes, que estão em busca apenas de altas badalações e somente um simples descanso.

Vista aérea de Caraíva, distrito de Porto Seguro, no sul da Bahia
Créditos: Pedro Truffi/iStock

A maior parte dos turistas brasileiros escolhe o verão e as férias escolares para realizar a tão sonhada viagem.

De acordo com o levantamento “Tendências de Turismo“, realizado em dezembro de 2023 pelo Ministério do Turismo, um em cada três brasileiros pretende viajar a lazer durante a alta temporada, até março de 2024. Mais da metade dos viajantes (59%) pretende viajar para destinos de sol e praia.

Os efeitos do overturismo

Em Caraíva, distrito de Porto Seguro, no sul da Bahia, um dos destinos mais badalados dos últimos tempos, a população de cerca de 2 mil habitantes tem sua dinâmica completamente alterada com o volume de turistas do início do verão.

Mas a falta de dados oficiais alinhados sobre o número de visitantes já mostra o despreparo do local para impor seus limites.

Excesso de lixo em Caraíva
Créditos: Ana Duék/Viajar Verde

O ano mal começou e os moradores de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, estão mobilizados em protestos por causa da constante falta de luz na Vila do Abraão, onde fica a maior parte das pousadas. Enquanto isso, Caraíva também já chegou à saturação nos serviços básicos, como coleta de lixo e fornecimento de energia.

Segundo Tatiana Paixão, proprietária da pousada Casa de Paixão Caraíva e moradora da região, o overturismo (ou excesso de turistas) prejudica não apenas a vida local, mas a experiência do turista. Ela conta que a combinação do alto fluxo turístico com a infraestrutura limitada da vila vem causando picos de energia, perda de equipamentos e de produtos.

Lixeira lotada em Rio Caraiva
Créditos: Ana Duék/Viajar Verde

“Nós temos, por exemplo, muito medo da contaminação do rio Caraíva. A vila toda trabalha com fossas. Algumas casas e hotéis têm fossas ecológicas, mas a maioria não. A nossa água (para consumo) é de poço. Se falta energia com o excesso de usuários, a bomba de água não liga e as casas ficam sem água. A coleta de lixo aqui também é superdelicada, principalmente pela dificuldade de acesso”, explica Tatiana.

Turismo mais responsável em Caraíva

A empresária é uma das ativistas locais que, junto com muitos moradores, nativos e comunidades tradicionais, acredita e luta por um turismo mais responsável para Caraíva.

Turista chegam à Caraíva, no sul do Bahia
Créditos: Ana Duék/Viajar Verde

“É muito importante pensarmos em que visitantes queremos receber. Até porque temos um limite de capacidade. Será que estes turistas que vêm apenas para festas, sem nenhum interesse pela cultura local?”, questiona Tatiana.

A hoteleira e sua Casa de Paixão são membros do MUDA! Coletivo Brasileiro pelo Turismo Responsável, que defende que o turismo precisa ser bom primeiro para os moradores, para o destino e para quem estava no território antes do turismo chegar e, em seguida, para os visitantes. Além disso, é aliada da Futuri (Aliança pelo Turismo Regenerativo no sul da Bahia).

Rio Caraiva recebe barcos e lanchas
Créditos: Tatiana Paixão/Casa da Paixão

Recentemente, através da Associação dos Nativos de Caraíva e do Conselho Comunitário e Ambiental de Caraíva, o destino deu seu recado e conseguiu tirar do ar uma campanha de uma marca de cosméticos com influenciadoras.

“Desvirtuar a imagem de Caraíva com uma ação ‘vaga’, sem conteúdo, que não gera nada de legado positivo ou construtivo, utilizando do nome e belezas naturais do vilarejo sem nenhum propósito só vem a depreciar a imagem local”, diz a nota de repúdio emitida pelas associações.

Turismo de sol e praia mais sustentável

Uma pesquisa recente da Phocusright identificou que somente entre 13 e 21% dos turistas mundiais entendem que o overturismo está diretamente relacionado com a sustentabilidade do destino e da viagem. Ainda falta informação e conscientização para o setor também aprender a se preparar ou minimizar possíveis impactos do excesso de turistas.

Turistas tomam praia em Caraiva
Créditos: Ana Duék/Viajar Verde

Mas é possível reverter esse cenário (e já tem gente mobilizada para isso!). Procurar por destinos menos conhecidos e viajar fora do período de alta temporada, são algumas estratégias que viajantes conscientes podem adotar.

Além de reduzir o volume durante o verão, estamos ajudando a distribuir a renda para o destino ao longo do ano. Mas, para transformarmos essa realidade, é necessário um trabalho coletivo entre moradores, empresariado, turistas e poder público.

A educação ambiental é uma ferramenta que pode transformar olhares e comportamentos. Em Caraíva, por exemplo, a pousada Casa de Paixão usa suas redes sociais e espaço físico para conscientizar os turistas durante o ano todo.

Os hóspedes são convidados, através de placas, informações, produtos ecológicos na lojinha e até mesmo com a senha do wi-fi, a não beber em long neck e a reduzir e separar todo o lixo gerado localmente.

A pousada também oferece água potável para que ninguém precise comprar garrafinhas plásticas e o café da manhã é feito sob demanda, evitando o desperdício de alimentos e o lixo excessivo.

Turistas lotam praia em Caraíva
Créditos: Ana Duék/Viajar Verde

A participação dos moradores no desenvolvimento do turismo é extremamente importante. Além de se envolver no planejamento, a população pode propor mudanças, incentivar novas práticas e impor limites.

Em Caraíva, a Associação dos Nativos já conseguiu estabelecer, junto ao ICMBio e prefeitura de Porto Seguro, algumas medidas para proteger o meio ambiente e o modo de vida da comunidade local, definindo um número máximo dois mil visitantes por dia e de 850 pessoas por evento, além da proibição da venda de long necks e do uso de caixinhas de som nas ruas ou praias. Infelizmente, nem tudo está sendo cumprido.

Para somar forças na ordenação do turismo, o poder público também tem um papel fundamental. O monitoramento e gerenciamento dos impactos são estratégias que evitam a degradação ambiental e conflitos sociais.

Estudos de Capacidade de Carga Turística, que definem um limite máximo de visitantes, ou mesmo a cobrança de taxas ambientais são ferramentas que podem (e devem) auxiliar os destinos neste momento.

As pesquisas de demanda também ajudam a entender o perfil do turista e geram dados para tomadas de decisão. “Caraíva é realmente um lugar especial, não só de belezas naturais, mas também de muita cultura e de pessoas acolhedoras. Não é à toa que tanta gente se apaixona por nossa vila. Mas é um destino frágil. Precisamos cuidar com todo o carinho, para que as próximas gerações também possam conhecer este paraíso”, incentiva Tatiana Paixão.

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